O ROMANCE MAIS CONFUSO DE UMA LUTA INACABADA

Ela tanto gritou que a senzala se agitou;
Tanto se apavorou que o alvoroço ecoou;
Lá de dentro o seu barulho era insuportável.
Era demasiado para passar imperceptível.

Liberta-me!
Liberta-me!
Vista-me de liberdade!
Eram esses os seus gritos.

Passou fome escolhendo comer os açoites em suas curvas. Enjoada, vomitava o ódio gerado pelos assombrosos toques em seu corpo, das mãos sem luvas.
Do lado de fora não havia quem por ela passasse sem se enojar com o cenário. Inertes, submersos, e entregues a resignação, não havia quem agisse do  contrário. Os traços de uma beleza roubada estavam marcados com golpes numa face tão devastada.
Tinha arranhões em toda parte. Seu amante quis retirar-lhe  sem piedade toda a fortuna.
Seus diamantes foram puxados a sangue frio do seu estômago e das suas veias, como uma criança apodera-se dos mamilos. Assim ele arrancou das suas veias o petróleo.
O mais absurdo é que, embora tragava as mais preciosas pedras como o canibal, e salivava com a sua presa entre as garras, ela não tombava, mesmo com a carcaça toda escancarada.

Liberta-me!
Liberta-me!
Vista-me de liberdade!
Eram esses os seus gritos.

De noite contava histórias aos ouvidos rompidos dos seus filhos que em seu ventre se agarravam de tanto medo daquela agitação. Eles ficavam atônitos com a loucura daquela que precocemente insistia em gera-los.
Queriam aquelas crianças saber, onde teria ela vivido tamanho encanto se seus pés nunca antes teriam trilhado outras pedras?
Ela sorria e sabia que embora daquela grade nunca tivesse passado, sua mente há muito que não pertencia aquele lugar.
Os zumbidos de uma morada melhor deixava-lhe mais enlouquecida, queria ser ela a tocar seu próprio corpo, parecia paranóica, mas as cartas que ela escrevia, eram claras:
“ havemos de voltar,
Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
Havemos de voltar”
Era com gargalhadas que lhe respondiam a tão insultuosa loucura.
Ela cresceu e se fez robusta por trás daquelas grades, rebentaram-se as correntes e num impulso trouxe para fora aquele corpo nú, coberto de pancadas dos saques sem escrúpulos, seus olhos mergulhado numa catarata provocado pela venda que lhe foi colocada tão apertada da ignorância enfiada na sua mente, ela era a mais confusa entre as meretrizes.

Liberta-me!
Liberta-me!
Vista-me de liberdade!
Eram esses os seus gritos.

Depois da liberdade, aqui fora, vestia-se como aquele que a despiu da sua língua, queria ser chamada de lusófona, e do Luso ser a querida.
Colava os pedaços de carne que seu corpo caiam, mas seus filhos estavam famintos e ela mais confusa, arrancava a própria medula, chupava os próprios ossos e servia para si um prato de miséria ao luar dos dias desgraçados por onde deixava a ganância daqueles vermes crianças não preparadas para a bonança recostarem as nádegas barulhentas, agora afortunadas.
Depois da liberdade, ela se coloca em saltos altos demais para o seu andar desajeitado, impressionando a todos com tamanha tolice em viagens e dinheiro gasto nas valas de quem já tem tanto, tentando ocupar territórios que nunca lhe serão dados, enquanto seus filhos mais  estúpidos, mergulham estatelados nas poças que eles mesmos as fazem, injetando doenças tropicais, fome, pobreza, desemprego e tantas outras mixórdias nas veias, enquanto com suas mãos destroem o próprio presente, poderia dizer futuro, mas depois de uma demonstração tão desequilibrada das suas danças dela nada mais se espera.

Quem perto está, joga lenha para que ela ainda se aqueça um bocado, e em cada pedaço jogado, agora é ele quem diz que a amava e ela era a mais linda entre as suas amantes.
Luso diz que não percebeu a revolta daqueles seios inchados, se seu toque no corpo virgem sempre foi suave, e dela quiz ele fazer madame.

É o romance mais confuso de uma luta inacabada de quem chora disfarçada, pelos abortos dos filhos que ela estremeceu ao gerar e depois de grande com seus dentes os quis devorar, pois eram lúcidos demais e traziam à tona a luxúria e lascívia que sua mãe insana cometia.
Hoje ela chora enquanto sorri com o próprio arrependimento.
TELMA ALMEIDA

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