Antes que à morte me acorde

Antes que à morte me acorde!

Assombrado diariamente com o para-sempre voltei-me atropelado para o passado num desejo incabível de não o largar.
Não que este tivesse sido feliz e amigável, mas, a risonha incerteza da qual se veste o futuro e a estéril felicidade do presente, fazem-me despir a coragem que amamentam a alegria de me aconchegar.

Antes que a morte me acorde!

Recorro ao passado distante para viver ainda que em forma de penumbra o sorriso inocente de um príncipe e a autodeterminação de um povo, envolto a sua realeza. Um tempo em que a formosura dos rostos não sucumbiam face a tristeza ou face a amargura da alma imposta pela violência descabida. Um tempo em que o amor e a compaixão pelo corpo negro não se curvava pelas selfes da alma sem comoção.      

Antes que a morte me acorde!
Como osso entre os dentes de um recém-nascido, assim, confundes-me entre beijos e zumbidos como quem lambe com navalhas a pele que parece acariciar. 
Não se trata de pele muito menos de crime racial! assim o sistema afirma: só não conseguem explicar a sequencia padronizada do holograma racial.
Ai de quem reclamar, é visto logo como um animal. Entretanto já dizia o profeta Malcolm X: “não confundam a reação do oprimido com a violência do opressor”. 

Antes que a morte me acorde!
Fui pego em uma gargalhada sarcástica e ácida misturada de um amor e ódio quando percebi que estava trocando os pés pelas mãos, pois não posso esperar do opressor libertação.
Tentei explicar para a minha mente que somos todos humanos, no entanto ela não parava de dar rizada de mim. Trazendo-me as lembranças do que ainda não vivi, e consequentemente afugentando a saudade do que poderei não viver; por isso, antes que eu durma em meu desespero, decidi recorrer a arma do poeta e guerrear com as vozes doutro planeta, nutrindo-me do que impulsionou homens e mulheres como: Amy e Marcus Garvey; Graça e Samora Machel; Martin Luther King; Dedan kimathi; Malcolm-X; Jonas Savimbi;  Kawame Nkruma; Amílcar Cabral; Thomas Sankara; Winnie e Nelson Mandela, Patrice Lumumba; Mário de Andrade, Eduardo Mondlane; Deolinda Rodrigues; Lélia Gonzalez; Viriato da Cruz; Assata Shakur, Agostinho Neto; Steve Biko etc para dar vida ao que não se pode ouvir, e assim gritarei sem que me possam oprimir:
Vidas Negras estão sendo assassinadas...
Vidas negras estão sendo assassinadas...
Basta! Não estamos conseguindo respirar,
estamos ficando sufocados desta necropolítica do capeta.

Antes que a morte me acorde!
Como pode o vencedor que muito se esmorece em sangue, agora se envergonhar de carregar o troféu? é como se as abelhas depois da árdua labuta, enjoarem-se do mel.
Não há palavras que disfarcem a falência do prazer, e, por mais lento e acarinhado que seja o golpe, o sangue jorra na mesma velocidade, testemunhando o rompimento do matrimónio entre nervos e tecidos 
Mas,
Antes que a morte me acorde,
Preciso esmagar o urso com os desafinansos do meu desabafo.
A história está se repetindo, escancarada na rua e na tela de cada celular: Em cada deslize do meu dedo é uma facada no meu peito – é povo meu, é um outro Eu.
Na briga entre o amor e a dor, é o ódio que sai triunfando, desvanece-se a paciência, afinal, não posso simplesmente sentar e orar, ajoelhar e pregar se tudo que ouço são vozes, e tudo que vejo são faces anestesiadas pela dor, corpos entorpecidos, sedados anestesiados, incrédulos diante de um sistema algoz.
Ouviu-se um som no Rio de Janeiro, e no “primeiro” mundo era o som de um choro amargo. Era a África preta chorando mais uma vez por um dos muitos de seus filhos; seus filhos, outrora forçados a deixá-la, agora ceifados como ovelhas no matadouro de um sistema que os leva dia após dia para uma carnificina. Seus autores, devidamente treinados na arte da precisão e da execução, reivindicam inocência alegando "engano" porém ela (África) não quer ser consolada, pois todos estão sendo mortos. Velhos, crianças, jovens, adultos estão sendo fuzilados, algures por aí: 
nos becos da periferia, 
nas valas escondidas, 
nas praças públicas, 
nos galpões abandonados, 
nos centros urbanizados.
Parafraseando Ney Matogrosso:
Se correr o bicho pega
Se ficar o bicho come
Porque eu sou é preto(a)
Porque eu sou é negro(a)
Menino eu sou músico, intelectual, pessoa do bem, pai de família e trabalhador. Porém esses títulos todos de nada me valem em um mundo marcado pela existência de uma sintaxe política da eugenia e de uma política de racialização do Estado. Com 80 tiros sou alvejado “por engano”: Porque sou eu preto!
Menino eu sou estudante, pessoa do bem, trabalhador, gente de família, também sonhava entrar para a marinha junto com outros 4 parças nos fizeram trapaças, aqueles que a priore nos protegeriam, nos alvejaram com mais de 20 tiros da cabeça “por engano”: Porque sou eu preto!
Menino eu sou Ágatha oito anos de idade, vitima desta necropolítica que apenas justifica-se dizendo que estava no lugar errado na hora erra. A verdade é: porque sou eu preta! Menino eu sou João Pedro catorze anos de idade baleado mortalmente pelas costas. Porque sou eu preto! Eu sou João Vitor, 18 anos, David Nascimento, 23 anos, Ahmaud Arbery, 25 anos, todos descendetes dos mesmos ancestrais e ligados pelo mesmo fim: vitimas desta necropolítica. E há ainda quem alega coincidência – a verdade é:  porque somos nós pretos!  
Menino eu sou um cidadão comum: George Floyd, 46 anos, mas um exemplo deste sistema doentio que apenas pedia para respirar e tudo que recebia de volta era a joelhada de um policial em meio a sociedade do espetáculo que filmava minha vida se esfumando. Como bem dizem por aí corpo de preto no chão não causa comoção. 
O que podemos responder diante dos que piamente acreditam na não existência do racismo? Ou ainda os que acham que está piorando? o ator norteamericano Will Smithjá dizia "O racismo não está piorando, só está sendo gravado agora." Caso para dizer todos vêm e ninguém reage.
Menino eu sou mãe, pessoa do bem, trabalhadora, sonhadora. Apenas queria ver minha periferia invadindo o magistrado, mas tudo que vejo é como o sistema de uma forma magistral leva meus filhos invadindo os cemitérios: porque sou eu preta.
E como sou!. E isso não é por engano!
Enganam-se os tiros mas jamais os alvos,
Enganam-se os discursos mas jamais as responsabilidades, muito menos o curso da trajetória.
Trocam-se os agentes, mas jamais as vítimas, é sempre a mesma história.
A justiça em pessoa, veste-se de tristeza e vêm ao público com seu senso moralista, afirmando que enganos do gênero acontecem.
E como acontecem!
Sei eu, sabes tú ou mesmo uma criança preta, que desde cedo deve aprender a desconfiar daquele que lhe protegeria.
Sei eu, sabe tú, ou mesmo uma mãe que não sossega em casa enquanto seu filho estiver na rua cruzando com os mesmos carrascos de fardas.
Sim, erros do gênero acontecem e já, a mais de 500 séculos. Pena que é sempre sobre uma determinada parte da humanidade e é por isso que ela (África) não quer ser mais consolada, pois todos estão sendo mortos.
E é por erros do gênero acontecerem vezes após vezes que a afirmação do lugar da África na história da humanidade bem como de seu filhos, se faz mas do que necessário e de forma rígida, reativa, e urgente. pois não é coincidência é Racismo: BASTA DE ATOS GENOCIDAS "POR ENGANO" ou "SEM QUERER QUERENDO" CONTRA A POPULAÇÃO NEGRA!

By Emiliano João & Telma Almeida

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