OPERAÇÃO RESGATE!


De longe, sem um conhecimento prévio do que se trata, até parece título de algum filme fictício de ação, nos mesmos moldes do: "Operação resgate do Bruce Willis"; "O resgate" do Nicolas Cage, ou mesmo “O resgate do soldado Ryan”. Todavia não o é, tomara que fosse já que ao menos desta forma seria seguro de que haveria um final feliz. Contudo, até mesmo nos cinemas, é sabido da imprevisibilidade da vida e que os problemas quando não atacados pelo cerne da questão, tendem a ir pela culatra deixando os atores em situações vexatórias.
O que vêm a ser a “operação resgate” em Angola e que relacionamento possível há com os filmes citados? Ora vejamos, a operação resgate visa reforçar a autoridade do Estado em todos os domínios, reduzir os principais fatores que provocam desordem e insegurança, bem como os da violência urbana e da sinistralidade rodoviária, aperfeiçoar os mecanismos e instrumentos para a prevenção e combate à imigração ilegal e proibir a venda de produtos não autorizados em mercados informais.
Relacionando a realidade angolana com o filme “O resgate”, salvo as devidas proporções, nos surpreendemos com o grau de coincidência entre o enredo hollywoodiano com o enredo político Angolano (rimas à parte). Já que o filme retrata Will que é um dos melhores ladrões dos Estados Unidos, todavia devido a um roubo fracassado ele acaba indo para a cadeia.
Angola é dos países mais saqueados do mundo, com as maiores taxas de corrupção do mundo e com uma alta taxa de pobreza alarmante. O atual governo instaurou a política da tolerância zero face a corrupção. Identificou aqueles que para seu ver se configuraram nos melhores ladrões de Angola. Porém as coincidências não param  por aí já que o combate a corrupção se mostrou seletiva.
Voltando ao filme, observa-se que Will, estando Livre após cumprir pena,  resolve reencontrar a filha, agora já adolescente, para recuperar o tempo perdido. Em Angola ocorre algo semelhante no momento, já que com o discurso do “corrigir o que está mau e melhorar o que está bom” nossos líderes outrora participantes do mesmo esquema de corrupção se lançam freneticamente e as vezes de forma desajeitada rumo a “recuperar o tempo perdido”. Com a simples diferença de que os dirigentes angolanos só não cumprem pena devido a um judiciário totalmente passivo, amistoso e mancomunado a eles.
No filme algo semelhante a realidade Angolana novamente acontece, uma que Vince, parceiro dele no último golpe, resolve se vingar e sequestra a jovem, dando um prazo curtíssimo para que o resgate seja pago. Constantemente vigiado pelo FBI, Will entra em desespero e percebe que será necessário voltar ao mundo do crime.Nesta última comparação é interessante frisar a questão das amizades desfeitas, da temporalidade (do prazo para Will agir), da vigilância do FBI, e da criminalidade.
Porquê a ênfase nestes itens? O governo Angolano na busca do tempo perdido, resgatou o velho hábito da dissidência (rompimento de amizades) num primeiro momento, na tentativa de buscar o tempo perdido desconsidera a impossibilidade de resgatar o tempo perdido (aquilo que era já não é, e o que é já foi, e o que há de ser é dependente do presente). E com isso não foca-se no verdadeiro problema presente que é o da pobreza e as causas da pobreza. Em outras palavras foca-se na aparência externa do problema, na superfície da questão e não na parte interna da mesma. Com suas ações tenta apresentar remédios que não conseguem estancar a ferida por dentro. Dando impressão de se tratar de uma hemorragia crônica.
Diante da inércia Estatal para resolver os verdadeiros problemas, angolanos que exigem mais ação do que ficção, menos discursos populistas, as estruturas sociais começam ser abaladas, e com isso agradece o mundo do crime, que cada vez mais vai crescendo a um ritmo frenético, dando a sensação de ausência de Estado. E como em terra de cego quem tem um olho é rei, imagina em terra onde falta iluminação pública, emprego, comida, saneamento básico, educação, quem têm uma arma sobrevive!
Como se não bastasse essa problemática, o governo que a princípio está para tornar a vivência dos civis mais pacífica e harmoniosa tira da sua cartola a “operação Resgate” a fim de acabar com a imagem da pobreza verificada nas ruas de Luanda como num toque de mágica. Esquecendo-se que você poderá até acabar com uma imagem em fração de segundos mais não com o objeto que reflete esta imagem. Ou  seja  você  pode  acabar com a  imagem da pobreza em fração de segundos mas não com a  pobreza em si. É uma ideia muito simplista, como afirma o sábio de Eclesiastes é como tapar o sol com a peneira e correr atrás do vento. Pois todos sabemos que a problemas complexos demandam soluções complexas que exigem ideias bem elaboradas, tempo e bastante esforço.
Diante da ação do Estado Angolano em relação a operação Resgate para com as zungueiras Angolanas, em nome de  "botar ordem na casa" comparado com a política Angolana de repatriação de capital,  algumas ideias vêm à cabeça:
Primeiro comprova a velha máxima política: aos Ricos/amigos tudo (Tolerância); aos pobres/inimigos, nada (apenas a intolerância). Afinal como explicar o prazo de 6 meses aos corruptos em relação a repatriação de capital e de 24 horas para a legalização das vendedoras ambulantes? Em qual instituição angolana conseguiriam legalizar suas situações, se só para tirar um passaporte, ou BI que é um direito de todos cidadãos Angolanos demanda uma eternidade de tempo!? 
Como explicar a caça às mesmas pela polícia nacional como se de criminosas se tratassem comparado a inércia judiciária em relação aos colarinhos daqueles que saquearam o horário público aplicando no exterior?
Em segundo lugar me vêm a memória a fala do Dr. Savimbi quando dizia sobre o tipo de sociedade que o M têm em mente para os angolanos:
Uma mentalidade que não sabe lidar com as sociedades rurais/pobres, apenas com as sociedades urbanas/elitistas, que não consegue pensar Angola como um todo (desde a população rural, urbana, intelectual, não intelectual).
Qualquer política de organização, ordem ou reestruturação social em Angola passa por uma política que se faça coletivamente, desde a base até ao topo da pirâmide. Garantindo primeiramente os direitos sociais fundamentais básicos (saúde, educação, previdência, seguridade etc.) antes de lançar-se em represálias.
Observa-se portanto que existe uma tremenda preocupação em dar uma cara de país desenvolvido (expulsando as vendedoras ambulantes das ruas), em relação Angola (todos sabemos o quanto a aparência é importante para o angolano).
Em outras palavras, optou-se em tirar o pecado/pobreza das ruas sem tirá-lo do coração (do núcleo familiar) por meio de um conjunto de medidas arbitrárias que visa acabar  com o único meio de  sustento sem as mínimas garantias de sobrevivência... resultado: é a imagem vexatória da polícia andando atrás das nossas mamãs zungueiras nas ruas como quem vai as caças às bruxas. É a descrença nas instituições Angolanas pelas discrepâncias nos seus atos administrativos. E é a criminalização da pobreza.
O engraçado é ver um ato de sobrevivência tornar-se CRIME, em um país onde a maioria é sobrevivente e pobre. Pois, como impedir uma mãe de usar todos os meios à sua disposição para alimentar o sua família? A lei deixa de ser lei quando a fome atinge o bolso, como afirma o prof. Lassale, ela se torna “mero pedaço de papel”.  Parafraseando  Stº Agostinho, e posteriormente Martin Luther King Júnior “uma lei injusta não é lei alguma”,  vale a pena ser desobedecida. Assim, o direito dos cidadãos se sobrepõe a ela (a lei) e dá validade para resistir a ela, as vezes com violência outras vezes com desobediência civil (como é o caso em questão), pois é dever moral e obrigação para qualquer ser humano desobedecer uma lei injusta.
Assim, conforme afirma Luciano Rocha, no jornal Angola, a “Operação Resgate” tem de ser cumprida com paciência, pedagogia, embora com determinação, para não resultar em fracasso e ser vista como mais uma série de rusgas policiais”.
Termino afirmando que não sou um anarquista (no sentido pejorativo da palavra) nem um desordeiro, sou em prol da organização, da ordem e da harmonia social etc...mas não a base de uma política de exclusão onde ser pobre e sobrevivente é remetido à criminalidade, que é para isso que o país caminha.
By Emiliano João

Comentários

  1. Muito bom texto, meu amigo. Já dá pra fazer comparações com o que acontece aqui em terras brasileiras.

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