É PRÓPRIO DO SISTEMA!
Sistema, essa palavra que transita nos lábios do angolano tal como a mosca fareja as fezes, e às vezes desnuda a esperança da alma, cansada do desencanto da vida.
Ela se encontra na boca de,
grandes e pequenos,
pais e filhos,
kotas e putos,
Senhoras e Senhores,
Avós e Avôs só não se encontra no glossário dos CEOS,
da Cleptocracia elitista.
Sistema, celetista bajulador e avesso.
Bajula o rico e transforma a vida do pobre ao averso,
empurra ao precipício o miserável,
e ao poderoso chefão desprende um sorriso amigável.
O que seria então esse bendito SISTEMA, que desde cedo tive que aprender a lidar com ele, vindo inclusive a se tornar um membro das famílias angolanas? Atire a primeira pedra quem jamais ouviu a expressão: “é próprio do sistema”; ‘ou o sistema caiu” etc….Tal expressão era irmão gêmeo do desânimo, do desemprego, e do desespero, etc...pois apenas surgia após um destes sucedido, ou em conjunto.
cresci ouvindo falar dele sem jamais dar as caras em minha casa, mas se sua presença era invisível, o que não era mesmo invisível era seus efeitos na janta, na renda, na mensalidade escolar, etc.
Me tornei adolescente e minha mãe passou a me mandar ao banco seja para levantar o mísero salário dela de professora aposentada seja para fazer algum depósito e tudo que mais temia era o de ouvir a célebre palavra provinda da mana bonita, jovem e de côr: não têm sistema. Voltava para casa sem saber o que era esse maldito sistema. Tentei não releva-lo deixar para lá essa besteira de SISTEMA.
Quando enfim achei que havia pago a conta não é que o bendito SISTEMA apareceu afinal de contas!? O visto de viagem de viagem não saia, o passaporte não sorria, e o sonho do estudo da diáspora se desfazia, e tudo que tinha era uma única palavra: “é próprio do sistema”, que dilema. Desejei no instante mandar esse sistema para P (pátria) que o Pariu, mas achei bem mandá-lo ao PR que o constituiu.
Lembrei-me então de alguns estudos teológicos de que o pecado também poderia ser sistêmico, novamente o famoso SISTEMA assombrava-me como se tratasse de um carma. A pergunta que não queria calar era e daí o que isso têm haver com Angola? Tudo ou nada, mas como Jonas, preferí não dar ouvidos. Ou o emperramento era tão grave que preferi me fazer de surdo. Contudo um tal de Schubert veio escrever um livro intitulado working in system in Angola. Novamente a palavra sistema. Onde procura estabelecer a relação das pessoas comuns, seja um feirante usando transporte público, seja um professor universitário do alto de seu gabinete, com a estrutura de um Estado autoritário.
Foi então que procurei entender o que seria esse tal de SISTEMA que têm acompanhado de forma implícita ou explícita minha vida inteira pois mesmo não querendo ouvir falar dele todavia insiste em perseguir-me.
Fui aprender em direito que o Estado funciona como um sistema, e que às vezes essa engrenagem sistêmica pode emperrar quando algo corre de forma não ordenada, só não entendia em que beco da engrenagem esse sistema havia emperrado, Uma vez que o país estava lá, as leis estavam lá, o território e o povo aparentemente também estavam lá, até uma história que legitimava tal sistema também estava lá.
Mas tudo bem, deixa ele lá, quem sabe um dia nos barraremos algures por aí ou em um destes becos da vida. Dizia eu em pensamentos.
Porém de tanto esbarrar-se a ele (seja para fins de estudo ou para fins de documentação) joguei-me na busca de compreensão do que os atores envolvidos estavam se referindo ao dizer-me: É próprio do sistema.
Nesta busca surpreendi-me quando percebi que sua explicação é mais simples do que se parece já que se resume em práticas e a velhos hábitos nossos super conhecidos por todos angolanos:
A famosa gasosa, o famoso padrinho na cozinha, a famosa micha da via, a famosa burocracia Weberiana, ou simplesmente o mais novo integrante do cardápio do linguajar Angolano: corrupção.
Mas minha curiosidade não se deteve por aí queria mais. O que isso teria haver com a explicação jurista e teológica? E o que seria esse novo/velho membro da nação?
Para o direito, corrupção é nada menos nada mais do que inversão de prioridades, para a teologia, corrupção seria a perversão da perfeição ou da justiça.
Mas o que ela é realmente em Angola? A corrupção em Angola é um fenômeno que impede e perturba o crescimento econômico nacional e que bloqueia o correto funcionamento interno e externo do país. Ela é uma velha amiga por no tempo do "pai banana" ela funcionava como um "câncer" não diagnosticado. Na era Zé Dú, Era visível sua presença e ação, contudo deixava inerte os agentes interventores. E esta inércia se dava pela dominação e violência exercida por aqueles que se beneficiavam com a manutenção do sistema. Funciona na época do prendedor môr, como um tapa olho. Dito de outra forma, na atualidade ela funciona como um tapa buracos, no sentido de desviar as prioridades do Estado em relação às políticas públicas.
Desta forma Fala-se da corrupção como algo sistêmico, uma vez que não se trata apenas da imposição de um grupo sobre outros, ou ainda uma prática de uma classe elitista, escravocrata, etc, sobre as demais, mas sim como um conjunto de práticas desvirtuastes da boa convivência social.
A corrupção afeta de certa forma também a vida ativa humana, a nível do labor, do trabalho e da ação. Uma vez que o ser humano é um ser condicionado conforme Arendt, ele o é, na medida em que tudo aquilo com a qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência (ARENDT, 2007 p.17). Podendo tornar-se corruptor ou corrompido.
A população angolana vive em uma sociedade em que privilégios e direitos se confundem e por isso é normal então as pessoas se sentirem incômodas pela exigência de direitos da minoria, uma vez que a exigência de direito seria para a classe dominante e privilegiada como uma afronta aos seus privilégios. Faz-se necessário distinguir claramente a diferença entre privilégios e direitos.
Com um bom dicionário percebe-se que privilégios são direitos, vantagens, prerrogativas, apanágios, regalias apenas válidos para um indivíduo ou um grupo minoritário, em detrimento de uma coletividade ou de uma maioria. E direitos são prorrogativas normativas, legais de caráter geral, e impositivo a nível jurídico se configura como sendo o conjunto de normas da vida em sociedade que buscam expressar e também alcançar um ideal de justiça, traçando as fronteiras do ilegal e do obrigatório. Visa o individuo dentro de uma coletividade pois é dentro da "vida ativa" do individuo na sociedade que ele irá se expressar.
Para alguns a corrupção entra no campo da moral no sentido de que as coisas são como são:
“elas serão boas ou mais conforme sejam o produto de uma boa vontade honesta e esclarecida, ou de seu oposto. Tudo depende, portanto, de os homens que dirigem os acontecimentos serem bons ou maus. Tal é o fundamento do moralismo. [...] o moralismo político apresenta a supremacia ideológica da classe media. (Jaguaribe apud Cavalcante 2018, p.104 critica marxista n 46 p. 103-125 2018 )
Desta premissa de que as coisas são como são é que irá surgir a famosa e aliciante expressão: é próprio do SISTEMA.
Portanto, quando novamente ouvir a expressão: é próprio do sistema vou lembrar que os desvios do erário público é próprio do sistema, a pobreza, a miséria, o analfabetismo, o desemprego, a doença bem como as mortes que nos visitam no matabicho, almoço e jantar, é próprios do sistema.
Porém lembrarei também que não é próprio do sistema minha ação, meus valores e meus juízos, assim que decidi ir contra o sistema enfrentando-o, desafiando-o, rompendo-o ou ao menos fugir da lógica de funcionamento do sistema e de sua cultura do medo. Esse é meu compromisso e meu legado. Caso não consiga ao menos morrerei tentando.
By Emiliano Jamba Antônio Joao
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