DILEMAS DE UM AFRICANO SONHADOR!

Oh minha querida África, dia e noite tento me doar a ti com pensamentos soltos, voando nas mais altas caladas noturnas, pelos sussurros jamais compreendidos, muito menos ouvidos.
Os dias se perpetuam num verdadeiro antagonismo do ser, no qual de um lado se encontra o corpo querendo dar vazão suas vaidades, e de ti esquecer-se; do outro a alma gritante em busca da sua ontologia na esperança de achar em si sua mais alta essência, sentido e significado. 
Uma briga gigantesca dando razão ao eterno sábio Sócrates no qual refletia ser o corpo a prisão da alma. Mesmo carregando esse dilema, fiz de meu corpo minha maior arma, e de minha alma a bala que municia meu corpo. Desta forma tornaram-se um, na minha busca por ti. Em busca dos propostos iniciais de Samora Machel, Amilcar Cabral, Jacaré Bangão disse: basta! Basta, ao apelido Brigão.
Assim se fez a África em mim, apelando os ideias de Mohamar Kadaf, Julius Nyerere, Ahmed Sékou Touré, e Kwame Nkrumah rumo a unidade e paz dentro em mim,pois conhecer-se a mim mesmo se tornaria no começo de toda reflexão sobre um continente tão diverso e complexo, repleto de encantos e ensinos. 
Com Nelson Mandela ofusquei as cortinas do apartheid que carregava em mim e trouxe a libertação singela pela via da união.
Com Agostinho Neto fiz do norte ao sul um só povo e uma só nação.
Com Jonas Malheiro Savimbi demonstrei que a cooperação entre a alma e o corpo era possível e para a ingerência corrupta externa ficou comprovado que a cooperação comigo não é fácil. Devolvi dignidade ao corpo colocando limites a emoção da alma e sua escapada egocêntrica ilimitação. 
Com Olden Roberto fiz do pensamento exilado dizer basta a ditadura do corpo, encucar a possibilidade de criar uma África para os africanos e dar vazão a imaginação.
Com Samora Machel me lancei pela busca da autonomia almejando a felicidade e percebi que "não podemos construir a felicidade e o bem-estar do povo com malandros e criminosos", então me voltei na busca pela erradicação da corrupção. 
Com Zumbi dos Palmares deixei de bater palmas, pus meus pés no chão, meu corpo em movimento, minha voz alçada e parei de lançar olhares nostálgicos, resignantes, indiferentes em busca de uma afirmação. 
Com Paulo Freire e Frantz Fanon descobri que a liberdade é um caminho árduo e de duas vias, no qual exigiria a libertação do opressor e do oprimido. Com Luther King percebi que também tenho um Sonho, e deste sonho não poderia fugir pois é muito mais do que o mero imaginário, e com ele devolveria a esperança outrora sonhada agora perdida.
Impulsionado pelas belas palavras do pan-africanismo imaginei um mundo de "Wakandenses", no qual todos viveríamos em harmonia e paz permanente, libertando as mentes pensantes e mostrando aos seus e ao mundo ideias brilhantes. E com orgulho pudéssemos dizer: "africanos para sempre".   
Fui atraído para as forças de Toussaint Louverture, e para a construção de um novo mundo me movi, Jean-Jacques Dessalines me ergueu para as colinas da independência da Alma. 
Desta forma, a alma se constituiu no xilema e floema do meu corpo, permeiado pelo amor que carrego por ti oh minha África. Como num toque mágico desprendi-me das corretes.Contudo, jamais me esqueci de ti. E de ti jamais me esquecerei. Constituis a minha Adama, do qual esse Adão foi tirado. 
De ti vim ao mundo, por ti vislumbro as maravilhas deste vasto planeta, sem estar sego nem mudo, e para ti voltarei quando em fim terminar a minha jornada aventureira na busca pela sapiência.       
Sim, me encontro a algumas milhas de ti, algures por aí, em uma membrana retirada de ti. Algumas vezes perdido outras vezes achados nas ruas das grandes cidades capitais: desde Paris a Londres,  Argel a Los Angeles, de Toronto à Soweto de Pequim a Hong Kong, me mostro forte como king Kong; dou uma pausa em Pretoria e descubro que esse preto tem uma enorme trajetória; de São Paulo mergulho pelo Rio para fazer morada no meu Salvador. Afinal o que seria deste planeta sem ti oh minha mãe África geradora de vidas? Mesmo estado do outro lado, contemplo sua formosura sem jamais me deixar desanimado mesmo em meio a tanta perplexidade.
Como Livigstone me mostro corajoso, transito nas ruas de Nova Deli e em seguida sou preenchido pela bravura e pacificidade de Gandhi. Saiu dali, e de repente me encontro na capital do mundo: Washington DC, esbanjando toda sua egocêntrica e imperialista performance. A sensatez bate a porta lembrando-me não de ser eu dali. Todavia, esmurro os obstáculos como dele Alí.
Pyongyang tenta congelar meu sangue efervescente como o lindo Sahara. Escorrendo na veia o lago Victoria vou alinhavando o trajeto da vitória. Em Brasília descubro outras Ilhas na Oceania como Camberra e deste modo parrar de fazer birra. Em Porto Príncipe me banho com as ideias dos irmãos Haitianos para em fim tornar esse Ogre Shrek aonde quer que esteja em verdadeiro príncipe e fazer de ti oh minha África a minha Fiona.  
Sou aquele herói das telas clandestinas da vida que o mundo se recusa enxergar, ao mesmo tempo sou aquele indigente, selvagem, das telas de hollywood, retratado como um ser global e munido pelo sentimento e garra de uma pantera agora culta, no qual apareço nas telas do globo buscando raízes. 
Todavia, sei quem sou, de onde vim. Eu sou de lá!      
Sou da fonte da vida, sou do berço da humanidade, sou daquela que a todo instante questiona a humanidade perdida. Sou de lá!  
Sou um sonhador-mor, sou um amador, sou um contador de história, sou um fugitivo da histeria, da inercia e da aporia. Sim, sou de lá!
Sou a mistura de Patrice Lumumba, de Lourdes Van-dunem, Deolinda Rodrigues, Kimpa Vita,  e do Rei Katyavala. Sim sou de lá!
Sou aquele que sem titubeio ziguezagueia as malambas da vida, dribla as trincheiras de cada confronto, salta as valas aprofundadas pelos escrotos, ignora os devaneios e os hecatombes de cada dia, não aceitando por dado, nada anormal. E por uma hermenêutica da suspeita percorro erguendo os punhos em demonstração de resistência e com persistência resisto, insisto, persisto. Sim sou de lá.
Os tecidos condutores (a Alma), constituintes do meu sistema vascular (o corpo), me lembram a todo instante ser eu um africano comum o responsável pelo transporte e distribuição de substâncias saudáveis no interior dos meus irmãos ainda vegetativos a mercê das propagandas corruptas. Sim, responsável pela condução de água e sais minerais ou melhor seiva bruta retirada das raízes de nossa história, do presente angustiante e do futuro obscuro, a fim de transforma-lo em um futuro risonho e esperançoso.
Quando em fim ver devolvida as roupas de sua nudez oh mãe África, cicatrizado as feridas de suas chibatadas, castigado os atores de seu maltrato e retornado à dignidade de sua humanidade, então, só então, descansarei! 
Poderei descansar com o dever cumprido de ter sido a voz profética, o anunciador de boas novas.  É neste momento que meu corpo calejado, maltratado, austerizado, ultrajado, cansado, me pergunta: Quem sou eu? E minha alma perplexa, ociosa, audaciosa responde: apenas mais um africano qualquer, um sonhador que este belo continente chamado África viu nascer!  

by EMILIANO J. A. JOÃO

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