O ENIGMÁTICO!

Naquela tarde eu estava cansado e desesperado. Ofereci aos meus poucos momentos de lucidez o som do meu desespero e insultos do meu fracasso.
O copo estava vazio, e nele a última gota de culpa, eu estava disposto a beber e ali adormecer. Revisei a página de tudo quanto antes, eu havia me engajado em escrever com a pouca sorte que me sobejou. Para a minha surpresa tudo aquilo era o começo de uma historia que o fim foi arrancado e escrito algures.
Foi quando o Homem enigmático chegou! Neste instante, os lemes que mapeavam sua chata já estavam fracos e fazia dos pés a âncora que mal dirigia o barco, por isso tinha os chinelos gastos e lambidos com a poeira e migalhas de quem tem a barriga cheia e as mãos nos bolsos saudando a própria arrogância. 
Poderia descrever-te mais sobre a sua aparência, mas sei que você e eu não teríamos tempo para idiotices como essas, seria apenas mais um motivo para uma selfie ao pão mordido que estenderíamos, e acréscimo aos likes no Twitter e o resto é conversa.
Enfim! Posso apenas adiantar que, com sua pedagogia única, sua sabedoria estupenda, sua compreensão inefável, e sua paciência inesgotável para com a minha ignorância, se assemelhava bastante a aparência de um Mestre, sábio. Um professor!
Aproximou-se e levou os braços para atrás da metade de colchão aonde oferecia descanso para aquele corpo vivamente cansado e morto. Retirou uma maçã já adormecida pelos muitos dias longe de sua raiz, no calor daquele saco roto e disse:
_ pega, você tem fome e parece cansado – sorriu
Meus olhos assustados esticavam-se mais que o sol depois da chuva, com a boca seca respondi:
_ estou bem. 
Insistiu e rapidamente em minhas mãos colocou aquele manjar e disse:
_ Vamos cear. Atrozmente engoli todo o louvor de co-misericórdia que algum dia pintei para as glórias do que chamei de azar. Seu jeito catita, não fazia do meu espanto uma fita. 
Foi a aula mais desafiadora que alguma vez a terra me fez passar. Vi nas chagas o caminho para a glória, vi da fome o valor da alfarroba.
Meu professor não precisou de horas para passar a lição que cravou em minha mente, ele sabia que em meu corpo tudo lhe observava e não se importava dos olhos arregalados sobre o corpo desnutrido. Minha arrogância quis organizar meu rosto confuso e tentar explicar que daquelas mãos sujas eu nada poderia receber, mas, o silêncio dos meus pensamentos fizeram-me perceber que há muito eu ando faminto, mesmo recolhendo das mãos dele todas as migalhas que o seu suor tem vindo ajuntar. 
Escolhi me reter e ouvir mais do que ele dizia em meu interior. No final da aula, vi sua imagem se desfazer entre os bosques, sem um adeus, ele partiu e deixou em minhas mãos aquele livro em forma de uma velha maçã no lugar de todo desespero e desapego que ao fundo eu nunca tive.
Enrolei as cordas da minha ingratidão que já ao pescoço faziam um laço, e com as bofetadas que dançaram em minha face durante os poucos segundos ao lado do professor, escolhi sorrir, eternamente sorrir. Conheci o perdão e a força, colhi a perseverança e a gratidão, e ao destino, fiz-me seu patrão.
By TELMA ALMEIDA

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