VIVAM A PAZ, DÊEM-NOS PÃO!
Hum! Ainda me lembro quando vozes rocas e
eufóricas saíram pelas ruas formando um tapete angelical.
Todas uníssonas e muito afinadas
perfazendo uma bela orquestra instrumental.
Viva a paz! Viva a Paz! Viva a Paz!
Gritávamos todos nós.
Só não gritava aquele que sabia das
encruzilhadas da paz e de seus nós!
Os olhos brilhavam mais do que a lua
cheia;
embora vazia estivesse a lancheira.
As mãos suavam de euforia;
No corpo os arrepios da coceira;
Mas quem se importaria com a pobreza?
Era o momento de celebrar a proeza!
Paz! Paz! Era a canção que até o galo foi
obrigado a cantar;
para não ter as asas a assar.
Suas perspicazes sagacidades;
fizeram deles o herói que a alma destrói;
Sua rendição fez deles os vilões que a
história constrói.
E hoje olhamos os vilões desta história
com saudades;
Quando nos deparamos com as mesmas e
duras realidades.
Viva a paz! Viva a Paz! Viva a Paz!
Gritávamos todos nós ansiosos, pelo tão
aguardado sonho.
Dez anos depois, o Candegue percebe que o
pai só trocou de bancada e a bola continua sendo deles, enquanto sobre cacos
repousa o seu traseiro nu ouvindo o roncar do estômago vazio.
Naquele dia pintaram as ruas de branco,
removeram o vermelho que o sangue dos homens robustos tentou mostrar indicando
a outra versão, e a bala lhes deu um Não.
Debaixo de um aqueduto empilharam as
armas de fogo e tacaram petróleo, o povo gritou ainda mais alto: paz! Paz!
Mal sabia que a arma letal já havia sido
colocada sobre suas costas, e a ela chamou de educação, esqueceu de dizer que
seria sem instrução.
Cozem pães que eles comem em nome do
povo;
enquanto servem cinzas como banquetes
para estes que os fazem de tolos;
dançam ao som de zombadoras cassetes;
onde o traje é a face da alma que os
devora pra cassete.
Paz! Paz! Era o som que ecoava!
Enchendo de alegria até mesmo aquele que
na cova se encontrava.
Catorze anos depois, o povo aprenderia
que Paz não era sinônimo de democracia muito menos de alegria;
E que em um lugar sem direitos o voto
pode se transformar em mercadoria optando sempre pela mesma porcaria!
Paz! Paz! Era o tema musical da quizomba,
da rebita, do semba e até mesmo do cuduro.
Para descobrir da mais cruel forma de que
a primavera nem sempre sucede ao inverno;
e o ensolarado verão às vezes poderá
esquentar tanto ao ponto de se tornar um inferno.
Hoje dezesseis anos passados, o povo só
chora tentando recolher cada gota daquele que então sempre foi o vilão, mas
agora, jamais o verão.
O Kota se revolta, perdeu a perna nas
suas manobras;
e hoje percebe que são os olhos que foram
vazados por estas cobras!
E agora tentam lhe calar de vez com o
trocado que oscila no fim do mês.
Já não é camiseta com os dois dedos
erguidos que reveste a fome;
o ventre está cheio de chapéu que pelas
ruas choveu;
enquanto em casa o pão a colher não
encheu.
Enquanto se cantava: paz! Paz! Encheram
os bolsos, fazendo meia-lua com suas gravatas sobre as barrigas enormes que não
cabem nas ruas.
Hoje é pão! Pão! Movidos pela geladeira
nua;
Todavia soltam os cães atrás daquele que
o condecorou rei, esquartejam a boca que reclama o peso da miséria produzido
pela ganância humana, recebendo em troca um fardo de ameaça.
Baixam o preço da cuca ao mesmo nível da
educação, enquanto desviam da banda toda riqueza que hoje só virou canção. Será
que o meu livro da 4ª Série mentiu quando disse que Angola era rica e bela?
Será que era apenas um bálsamo ilusório quando dizia que a união faz a força?
Será que a constituição mente quando diz que de Cabinda ao Cunene um só povo
uma só nação? Ou é só bajulação? Será que ninguém lê as noções principiológicas
da mesma? Ou nos ditos populares do leão e o chacal, do esperto candimba, da
ocasião faz o ladrão nos deixamos ficar?
Será que já não detém o poder da
soberania o povo? Ou estamos cansados de
combater as escórias, e sem correria fazer de novo?
Não! vejo que levaram a bela e deixaram a
fera.
Ninguém canta mais, ninguém dança,
guardam as gargantas secas, corpos moles de tão ávida a terra por onde desfilam
os pés descalços.
Neste corredor de morte o próximo será
aquele que disser "estou cansado".
Ontem gritamos viva a paz!
Hoje gritamos, vivam eles a paz!
Porque a tal pomba bate asas apenas de um
lado enquanto noutro coxeia.
Vivam a paz!
Larguem a micha.
Saia do palaçiozinho oh potrão!
Vá para a Rua!
Resolvam a triste escassez!
Dêem-nos pão!
Pois no ano da fome o direito dá o lugar
à imaginação.
E os delirantes e titubeantes pensamentos
se transformam em afirmação.
Os ouvidos, capengas e surdos serão para
as falas mansas.
E os olhos lacrimejantes cederão ao
orgulho ultrajado.
Pois a ocasião faz o ladrão, mas a massa
unida faz a revolução e o povo pensante gera evolução.
By Telma Almeida & Emiliano João
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